segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Melina Furman: “É preciso ensinar atitudes científicas”

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entrevista/ciências
Melina Furman: “É preciso ensinar atitudes científicas”

Para a especialista argentina Melina Furman, é fundamental privilegiar a observação, a classificação e a formulação de perguntas para desenvolver o raciocínio

Rita Trevisan

De um lado, estão os professores que propõem o ensino de Ciências com base em experiências práticas, feitas em laboratório - os chamados tecnicistas. De outro, estão os educadores que focam a transmissão de conceitos e a teoria em aulas expositivas - e que, pela escolha metodológica, são conhecidos por tradicionalistas. As limitações de ambas as linhas levou ao desenvolvimento, desde a década de 1970, de uma terceira perspectiva, conhecida como investigativa. A bióloga argentina Melina Furman é uma das mais expressivas representantes dessa corrente. Doutora em Educação e Ciências pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e coordenadora científica da Sangari Argentina, ela vem dedicando-se à pesquisa desse novo modo de ensinar a disciplina, que propõe se basear em uma situação-problema para oferecer aos alunos a oportunidade de observar, levantar hipóteses, fazer registros e tirar conclusões.
“Dessa forma, permitimos que as crianças e os jovens avancem num processo que possibilitará a formação de um pensamento sistemático, crítico e autônomo, capaz de preparálos para enfrentar os desafios da atualidade dentro e fora da escola”, diz. Seu livro mais recente, La Aventura de Enseñar Ciencias Naturales (ainda sem título em português), escrito com a colega María Eugenia de Podestá, rendeu-lhe o primeiro prêmio na categoria Educação na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, neste ano. Em entrevista concedida por e-mail, Melina esclarece alguns dos principais conceitos de sua obra e de suas mais recentes pesquisas acerca do tema.
Qual deve ser o foco do ensino de Ciências na escolarização básica?
Penso que devemos privilegiar o desenvolvimento de algumas competências que têm a ver com a formação do pensamento científico crítico e autônomo. Uma delas é sustentar o que se diz. Um estudante deve saber convencer os outros da validade de suas afirmações com base em evidências. Ao mesmo tempo, deve usar o pensamento científico para analisar o grau de credibilidade das afirmações que ouvimos dos outros, tanto das pessoas com quem mantemos contato direto como dos meios de comunicação e de todas as outras fontes de informação no dia a dia. Além disso, o pensamento crítico está relacionado à capacidade – e também ao desejo, por que não? – de buscar explicações para os fenômenos e de aprender a pensar em estratégias ou caminhos que nos ajudem a responder às perguntas que nos fazemos constantemente. Em resumo: o fundamental é fornecer aos alunos ferramentas que lhes permitam pensar por si mesmos para que se tornem menos vulneráveis. E, nesse sentido, o ensino de Ciências tem muito a contribuir.
Qual é a responsabilidade da escola nesse processo?
É muito grande, já que as pesquisas em Educação demonstram que o pensamento científico não é algo inato ou espontâneo, mas requer o desenvolvimento de hábitos de pensamento sistemáticos e rigorosos, que exigem esforço e tempo. Como se trata de uma aprendizagem complexa – que, inclusive, pode muitas vezes contradizer o nosso senso comum –, é preciso que seja ensinada. Se pensarmos na quantidade de anos que as crianças e os jovens passam na escola, fica claro que essa instituição tem uma oportunidade única de contribuir para formar essas habilidades de pensamento, num trabalho que começa na infância.
Nessa perspectiva, de que forma os professores devem atuar?
Os educadores devem saber que os modos de fazer e pensar da ciência são parte fundamental do que devem ensinar. Se esses não forem seus objetivos didáticos, o desenvolvimento do pensamento científico acabará ocupando um lugar secundário, enquanto os dados, a terminologia e os conceitos continuarão figurando como o mais importante. Tão essencial quanto examinar o saber já estabelecido é apresentar aos alunos a ciência como um processo, como uma maneira de chegar aos conhecimentos que já dispomos atualmente. Como fazer isso na prática? Os bons professores de Ciências organizam suas aulas incluindo diversas abordagens didáticas: a realização de experiências, o trabalho com textos, os debates, as pesquisas sobre a história da ciência, as atividades com o objetivo de analisar os resultados dos experimentos feitos pela turma e muitas outras. O importante é que as aulas permitam aos alunos ter um papel ativo.
Como conceber um currículo que privilegie a investigação?
O mais importante é partir de uma grade que seja coerente para todos os anos, de maneira que os conteúdos se tornem, progressivamente, mais complexos. O currículo também deve mostrar quais conceitos e habilidades serão ensinados em cada ano e em cada ciclo escolar. Pode-se começar com competências mais simples, como a observação, a descrição, a classificação, a busca de padrões e a formulação de perguntas. Num segundo momento, abordar as que estão mais próximas do pensamento hipotético-dedutivo, como a realização de experiências, a análise dos dados, a elaboração de conclusões etc. Isso permitirá que os professores – se possível, trabalhando em equipe – possam planejar suas aulas. Ano a ano, essas sequências precisam ser revistas para ajustes de acordo com observações de sala ou para incorporar novas propostas de metodologia para a investigação em Ciências.
Quais os grandes desafios que os docentes de Ciências enfrentam hoje?
Alguns estão relacionados às condições estruturais da profissão, como a falta de tempo para planejar as aulas. Entre os específicos do ensino de Ciências, temos a necessidade de que os educadores busquem formação específica, especialmente nas áreas de Química, Física e Astronomia. Além disso, quando falamos na formação de um pensamento científico e de uma experiência de aprendizagem ativa, estamos pedindo a eles que ensinem de um modo que eles mesmos não aprenderam, nem sequer em sua formação como professores. Naturalmente, é muito difícil ensinar algo que não se conhece em profundidade. Por isso, a formação contínua e o acompanhamento dos docentes em sua tarefa são a chave para enfrentar os obstáculos.
O que levar em conta para planejar uma boa aula em Ciências?
Antes de tudo, é preciso conhecer, de maneira clara, o destino que se pretende atingir, o porquê de tê-lo escolhido e como se deve fazer para chegar lá. Então, creio que a atuação dos professores deve começar por uma leitura analítica da grade curricular. Esse é o principal roteiro para definir o caminho a percorrer durante o ano. Porém, para cada aula, é importante se perguntar: que ideias-chave quero que os alunos compreendam?
Que habilidades científicas eles poderão desenvolver com base nas atividades propostas?
Defendo que é importante ter isso em mente em vez de esperar que a aprendizagem ocorra casualmente, como consequência do ensino dos conceitos. No que consiste a ideia de "educar a curiosidade dos alunos"? Refiro-me à necessidade de não seguir o tempo todo o interesse deles ou de ensinar somente os temas que lhes parecem atraentes. O professor deve planejar, de antemão e com clareza, os objetivos da aula. Tendo noção de aonde quer chegar, fica mais simples canalizar as perguntas da turma e criar um clima de investigação em que a curiosidade seja mais do que bem-vinda.
Por que a curiosidade da garotada tende a diminuir à medida que a escolaridade avança?
Parte dessa mudança tem a ver com o modo como se ensinam Ciências nos anos mais avançados. A tendência é que se abandone por completo a oportunidade de proporcionar aos alunos o contato com as perguntas ou os fenômenos para centrar o estudo nos dados, na terminologia e nas fórmulas. Quando isso ocorre, o ensino de Ciências, acaba se voltando apenas ao produto, e não ao processo que foi percorrido para chegar ao conhecimento dado. Assim, perde-se justamente o aspecto da ciência que a torna mais apaixonante.
O que faz de um experimento uma boa atividade de investigação?
As boas experiências são aquelas que se relacionam de maneira direta com o tema estudado, que apresentam perguntas a ser respondidas e que não se restringem apenas a receitas que, seguidas passo a passo, confirmam algo que já se sabe. Ao fazer bons experimentos, os estudantes aprendem a manter todas as condições constantes – salvo aquela variável que se quer investigar –, a necessidade de registrar os dados para poder analisá-los depois e a importância de escolher um método de medição ou análise que corresponda aos objetivos, entre muitas outras coisas. Também é fundamental que as experiências sejam guiadas sempre partindo de perguntas genuínas, que não se prestem apenas a verificar informações que o educador já transmitiu aos alunos. É possível ensinar Ciências sem contar com um laboratório sofisticado? Sim. Trabalho com a ideia de que se pode fazer ciência explorando o que nos rodeia e buscando respostas para os fenômenos que vemos em toda parte. É possível desenvolver boas atividades com materiais muito simples, que os próprios alunos costumam ter em casa. Definições e terminologias devem ficar sempre para o fim de uma sequência didática? É recomendável. Em Ciências, o mais importante é que os alunos compreendam os fenômenos, em vez de apenas saber como se chamam. Os nomes, embora importantes para a comunicação, são meras convenções. No entanto, o que vemos com mais frequência é que as aulas comecem exatamente ao contrário.
O professor inicia perguntando às crianças: "O que é a força?"
Depois, pede que procurem a definição no dicionário. Faz tudo isso sem ter exposto os estudantes a fenômenos em que há a interferência dessas forças – e aqui falo de fenômenos simples, como deixar cair um objeto e empurrar outro. O mais adequado, a meu ver, seria se basear na da observação do fenômeno em situações distintas – nesse exemplo, a observação das diversas forças, de diferentes intensidades, sobre o movimento dos objetos – para que os alunos comecem a sequência didática compreendendo do que se trata.
Na disciplina, qual é a importância dos registros por escrito?
Em que situações os alunos devem ser incentivados a escrever? Os registros são importantíssimos. Aprender a pensar cientificamente tem tudo a ver com a capacidade de organizar nossas perguntas, ideias, hipóteses, dados e conclusões. Não há uma receita para decidir quando isso será necessário. O ideal é prever, no momento de planejar as aulas, quais situações são propícias para esse tipo de produção. Quais os melhores instrumentos de avaliação em Ciências? Creio que não importa tanto a forma de avaliar – escrita, oral, longa ou breve. O essencial é que o instrumento de avaliação esteja alinhado de maneira coerente aos objetivos didáticos previamente definidos, permitindo analisar se os estudantes realmente desenvolveram as habilidades propostas nas aulas. Uma estratégia para criar boas avaliações é propor aos alunos que respondam a situações-problema. Para resolvê-las, não basta dominar as definições e os conceitos: é necessário compreender os fenômenos estudados para usar as soluções em um novo contexto.entrevista/ciências

Melina Furman: “É preciso ensinar atitudes científicas”
Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/educacao/entrevista-melina-furman-privilegiar-raciocionio-novaescola-609110.shtml

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