terça-feira, 21 de setembro de 2010

Academia Paulista de Letras

As reuniões semanais da Academia Paulista de Letras são encontros solenes.

Pontualmente às 17 horas das quintas-feiras, depois de servido o chá, pelo menos metade dos quarenta imortais se reúne em sessão plenária. No salão com mobiliário clássico de jacarandá no 2º andar de um prédio de 1948 no Largo do Arouche, no centro, homens de terno e gravata e senhoras de vestidos sóbrios discutem, ao longo de uma hora, questões da língua portuguesa e da literatura. Tratam-se por "excelência", como exige o regimento inspirado nos ritos da Academia Francesa de Letras, criada em 1634. No fim, despedem-se, já usando o tratamento coloquial de "confrades" e "confreiras", recebem o jetom de 250 reais por sessão e voltam para casa.

Nos últimos cinco anos, 25% da academia foi renovada. Isso quer dizer que dez respeitáveis figuras da literatura do estado morreram, cedendo suas disputadas cadeiras a novos nomes (alguns estão destacados abaixo). Embora a formalidade dos rituais continue a mesma presenciada em 1963 na posse do poeta Paulo Bomfim, de 81 anos, acadêmico em atividade há mais tempo, essa turma tem retirado parte da poeira que cobria o ambiente. Alguns encontros das quintas-feiras passaram a ser abertos, como a palestra de Lygia Fagundes Telles em junho. Os acadêmicos também se reúnem fora, caso dos jantares de posse de Ruth Rocha, no Museu da Língua Portuguesa, e de Ignácio de Loyola Brandão, no Palácio dos Bandeirantes.

"Ao criar a Academia Brasileira de Letras, em 1897, Machado de Assis idealizou uma casa de bom convívio formada por literatos, personalidades de várias áreas e jovens entusiastas", defende o presidente, José Renato Nalini. Ao entrar para a academia, em 2003, como o então mais jovem dos integrantes, aos 57 anos, Nalini percebeu espaço para a abertura. Os acadêmicos de São Paulo não usavam o fardão, obrigatório na Academia Brasileira de Letras, sediada no Rio de Janeiro, e os chazinhos de erva-cidreira já tinham dado lugar a cervejas e doses de uísque, como acontece até hoje. Depois que assumiu a presidência, em 2006, Nalini estimulou as palestras e os concursos literários. Encampou bandeiras polêmicas, como a proposta de visitação pública da biblioteca de 100.000 volumes, que inclui um exemplar de Os Lusíadas, de Luís de Camões, de 1572. Busca ainda patrocínio para reformar o anfiteatro, de 556 lugares, fechado desde que o teto cedeu, no ano passado. "Se abrirmos o espaço para espetáculos, criaremos receita", diz, admitindo dificuldades orçamentárias para bancar os nove funcionários. A principal fonte de renda da academia, que completa 99 anos em novembro, é o aluguel, por 50 000 reais mensais, de treze andares de seu prédio para a Secretaria de Estado da Educação.

Os novos ventos sopraram mais fortes depois que Gabriel Chalita assumiu a cadeira 5, em 2006, com apenas 37 anos. "Ele é um realizador cheio de idéias", afirma Walcyr Carrasco, de 56 anos, que tomará posse em setembro. Bem relacionado e acostumado a lidar com idosos – nasceu temporão, quando seu pai tinha 54 anos, e viveu vizinho a um asilo –, Chalita estimulou a abertura oferecendo quatro jantares em sua casa no ano passado (o primeiro deles, com comida japonesa, era moderninho demais e foi um fiasco). Ele conquistou aliados e desponta como provável candidato a presidente nas eleições de dezembro. "Essa deve ser uma casa eclética, com nomes de prestígio que contribuam com a academia e com a cultura de São Paulo", acredita Chalita. Não à toa, os quatro membros que chegaram em 2008 vieram de áreas que antes tinham pouca representatividade. São eles a escritora de livros infantis Ruth Rocha, o cientista social Jorge Caldeira, o novelista Walcyr Carrasco e a folclorista Ruth Guimarães.

As modificações, porém, não têm aprovação unânime. "O estatuto diz que as reuniões devem ser internas e fechadas aos acadêmicos", afirma o ex-presidente Erwin Rosenthal, de 82 anos. "É preciso cuidado para que o número de integrantes de outras áreas não supere o de letristas profissionais", defende o biólogo Crodowaldo Pavan, de 88 anos. O poeta Mário Chamie, de 75, contesta: "A incorporação de jovens evita o processo de anacronismo, mas as iniciativas meramente sociais não podem superar as culturais". Mesmo a contragosto de alguns, a academia se revigora. Ainda assim, não é raro integrantes dormirem nas reuniões. Outros têm dificuldade de audição e houve casos de quem passasse mal durante a sessão. "Somos membros vitalícios fadados a nos reunir até nossos últimos dias", lembra Nalini. "Queremos preservar o sentido da confraria e tornar nossa casa atraente para a juventude."

José Renato Nalini
Cadeira 40

Na academia desde 2003, é presidente há dois anos e deixa o cargo em dezembro. Tem 62 anos.Desembargador, juiz e doutor em direito, escreveu dez livros da área jurídica, como Ética e Justiça

Gabriel Chalita
Cadeira 5

Aos 39 anos, o caçula da APL assumiu em 2006 e escreveu 45 livros, entre eles Os Dez Mandamentos da Ética. Educador, jurista e filósofo, foi secretário estadual de Educação

Ruth Rocha
Cadeira 38

Multipremiada autora de 142 livros infantis (Marcelo, Marmelo, Martelo vendeu mais de 1 milhão de cópias), essa cientista política e social de 77 anos assumiu o posto de imortal no mês de março

Jorge Caldeira
Cadeira 18

Desde maio na academia, é cientista social e doutor em ciência política. Tem 53 anos e publicou sete livros, entre os quais Mauá, Empresário do Império e Noel Rosa, de Costas para o Mar

Ruth Guimarães
Cadeira 22

Especialista em cultura popular, escreveu dezoito livros. Entre suas treze traduções há obras de Balzac e Dostoievski. Tem 88 anos. Eleita em junho, assume o posto em setembro

Walcyr Carrasco
Cadeira 14

É autor de oito novelas, entre elas Sete Pecados e Chocolate com Pimenta, três peças, dois livros adultos e doze infanto-juvenis. Tem 56 anos e é cronista de Veja São Paulo

Fonte: Revista Veja

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